Mas nós não vamos desistir!!!
19 abril 2007 by Tsintsiva_Tsapau_Mafurra
por sugestão do Ruben Morgado vou tentar fazer o balanço de uma semana de actividades do grupo de voluntários (psicólogos) que foram pedidos pelo Ministério da Defesa. Como tinha comentado num post vosso, os primeiros dias foram só de blábláblá e burocracias pois apesar de terem feito o apelo, o ministério não criou condições para nós podermos actuar nos locais afectados nem transporte tinham!!! Mas não ficamos parados... foram divididas as pessoas em grupos de intervenção e localizadas as zonas mais atingidas. No fim de semana passado a vontade era tanta e cada vez mais pessoas se alistavam a este voluntariado. Mas a cada reunião que havia (ora com o próprio presidente ora com o ministro da defesa e seus representantes) a motivação e a moral do pessoal ia baixando. Muito fez e tem feito o Dr. Achimo e tenho o admirado pela persistência que tem demonstrado e pela criatividade em encontrar "caminhos diferentes" para encontrar soluções ou formas para resolver os problemas. Quando escrevi o comentário num vosso post estava mesmo a sentir que grande parte do grupo estava por um fio... tantas politiquices que nau nos levam a lado algum enquanto o tempo ideal para intervir junto as vitimas ia passando e estas a perderem a esperança de ter apoio um dia. Qualquer apoio! Finalmente conseguimos sair das mesas e partir em busca das vitimas e mostrar k nós estamos com elas e que as vamos ajudar a superar aquela fase difícil de perdas (humanas e materiais)... E o que encontramos foi chocante!
Para começar as casas...
a vida de sacrifício de pessoas!!! Perdeu-se tudo! Crianças que perderam os uniformes das escolas e que agora não podem ir as aulas porque não deixam-nas entrar, que não tem livros escolares, que não ficaram com nada.... Crianças que firam o sonho de um dia ser alguém através do estudo explodir com o paiol! Quando perguntei a uma menina (12 anos) o que ela mais desejava agora... a resposta foi simples: "quero que a minha escola volte a funcionar"... ela nem pediu que o pai voltasse da africa do sul para ajudá-la a cuidar dos irmãos - a mãe morreu com as explosões e ficou ela mais 2 irmãos pequenos). Foi tão modesta esta miúda. Perdeu a mãe, a casa, tudo... e o que pede é tão simples que nem deveria ser um pedido mas sim uma obrigação do estado, uma obrigação de todos nós fazermos com que crianças como ela regressem aos estudos.
Tirando isto, tem a tal estimativa de mortos... como é que podem dar um numero tão pequeno - sim, pequeno! - se em cada casa que fomos pelo menos 6 pessoas tinham perdido a vida!!! Só em Magoanine o número de vítimas ultrapassa todas as estimativas k foram feitas!
Durante a semana o número de voluntários reduziu bastante. Uns porque acabaram por desistir e outros que tem as suas próprias vidas para cuidar - estes últimos com certeza voltarão neste final de semana para continuar. Cada grupo tem feito a intervenção na zona que lhe foi atribuída e a cada dia chegam mais casos novos. Ontem, por exemplo, fui para Ndlavela (creio k é assim k se escreve!) e descobriu-se mais uma vítima: uma senhora que ficou ferida no joelho mas que não deu importância e só antes de ontem é que foi ao hospital. Vi uma casa de palha, aliás nem vi a tal casa, vi as cinzas que restaram da casa. Tudo que estava lá foi para o ar! Felizmente não houve vítimas humanas nessa residência e fiquei admirada e muito feliz por ter visto o quão solidárias são as pessoas daquela região. Assim que a vizinhança soube do incêndio da casa reuniram forças e construíram uma casa nova faltando apenas as telhas e uma porta. Em 2 dias apenas, com alguns blocos e cimento e mão-de-obra não qualificada mas cheia de muita força e solidariedade. Vizinhos que também foram afectados! E mesmo assim juntaram as poucas roupas que tem e deram um pouco a esta família que perdeu tudo. Quando lá chegamos já havia uma tenda dessas que estão a distribuir e foi nos dito que também deram comida e algumas panelas. A filha do casal tem a vista muito irritada pois ficou parada a ver a casa desaparecer... e mesmo assim teve coragem para ir a escola, mesmo sem uniforme e sem livros fazer um teste de português e matemática! Foi bom saber que existe alguma recuperação. Mas tal só por si não basta! Até quando vão esperar por telhas e uma porta para poderem sair daquela tenda que deve ter ficado inundada com a chuva de ontem?
Encontrei uma jovem de 26 anos que com o barulho das explosões regressou a casa a correr e a chamar pela mãe. O chefe da aldeia encontro-lhe e disse-lhe sem algum tipo de preparação e de uma forma rápida e despachada o seguinte "não vale a pena chamar, a tua mãe morreu! E o corpo da tua sobrinha esta aos pedaços perto da casa da tua irmã"... assim, sem mais nem menos!!! Até hoje esta jovem não come, não fala (só quando é pressionada e nota se que é apenas por educação que me dirigiu a palavra).... Está a definhar cada vez mais e para piorar tudo consegui que ela me dissesse mais sobre ela. E um das coisas que me preocupou foi o facto de ela estar grávida de mais de 3 meses e não teve hemorragias mas não sente nada no ventre. Pode-se dar ao caso do bebé ter morrido e ela não saber e, se não houver meios dela ser vista por um médico especialista também ela correrá risco de vida!
E notem que esta é apenas o que eu tenho visto... sabe-se lá que mais os meus colegas tem acompanhado! Mas cada equipa que chega após um dia de trabalho junto destas populações volta mais revoltada com o que não se tem feito mas esperançada pelos progressos que as pessoas (do ponto de vista psicológico) tem tido. Ainda persistem as perguntas: o que vamos comer? onde vamos viver? como vamos ficar?.... E a resposta é tão clara mas altamente venenosa: Ninguém com poder ajudará!!! Algumas pessoas querem ajudar mas é pouco, muito pouco! Aquelas pessoas precisam de mais....
Como é que não vão dar subsídios??? Como é que um amputado vai subsistir? Como é que pessoas que nem 10 meticais tem por dia vão conseguir sobreviver?
Há o caso da Rosinha que está internada no Hospital Central e que o governo pensa em mandá-la para africa do sul devido aos seus graves ferimentos. Se vissem como ela está e o tipo de fobias que está a desenvolver agora.... Mas houve um progresso significativo nesta menina de 10 anos... está a criar vínculos com o pessoal do hospital e já começa a balbuciar algumas palavras e a mais nítida que disse a uma psicóloga (que teve que entrar clandestinamente onde ela está e tem feito isso constantemente) foi "Fica comigo!"... Ela perdeu todos os elementos da família! Não tem absolutamente ninguém!!! Agora há aqui uma questão que deve ser reavaliada. Se há meios para levar esta menina para africa do sul com um acompanhante não haverá meios para trazer esses cuidados para ela? Se ela for para lá vai ter, claro óptimas condições, mas vai-se perder uma vida na mesma. Imagina o que é tarem amarrados num local onde ninguém vos compreende, onde as vossas queixas não serão ouvidas ou pelo menos entendidas... imaginem o que é ir acordando e descobrir uma família e de repente tirarem-te sem qualquer explicação para um lugar novo onde não percebes nem uma palavra do que é dito? Imaginem o que é ficar só!!!
Bem, tirando isto tudo e com os esforços de toda a gente envolvida, finalmente criou-se uma certa ordem e já começam a estar mais organizadas as nossas acções e coordenadas com o INGC. Pelo menos o transporte até as zonas já é garantido. Seja como for, alguns aproveitam esta situação para encher os bolsos e a barriga! Moçambique.... anos de vícios!
Mas nós não vamos desistir!!!
Lélia Issá Jumá
A minha pergunta é para os governantes: Será que não há um pingo de arrependimento?? Deep down....?